Atenção!

"(...) apesar de ter mergulhado de cabeça nesse misterioso mundo das lesões neurológicas e suas possíveis consequências, não sou médica. Tudo o que coloco aqui são impressões e experiências pessoais. (...) Enfim, não sou uma profissional da saúde, apenas uma mãe muito, muito, muito esforçada em início de carreira".



segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O lado certo do Muro

Filho, ganhamos nossa babá de volta! Por isso, a gente começa logo com foto em homenagem a ela! (e ao Fluzão, que ontem fez 6x2 no Olaria!)



Tô bem feliz, Antonio Pedro. Estávamos precisando de uma forcinha aqui em casa, ainda mais porque você resolveu voltar da nossa viagem do feriado com febre... Mas não há de ser nada sério. Mamãe daqui a pouco vai te levar no tio Jofre. Por hora, você está dormindo aconchegado no colo saudoso da sua vovó. E aí, mamãe vai aproveitar para falar aqui de mais um assunto da lista do caderninho: de como, apesar de tudo, tivemos sorte.

Sabe, pacote, a primeira coisa que a gente pensa quando acontece algo de ruim na nossa vida é que tivemos azar. Nos lamentamos, voltamos a fita mil vezes para tentar entender onde foi que a coisa desandou, ficamos desanimados e, inevitavelmente, sentimos muita pena de nós mesmos. Foi assim que a mamãe se sentiu quando você nasceu. Uma coitada.

Claro que com o tempo, é preciso ir sacudindo a poeira para seguir em frente. Mas, aquele danado daquele sentimento de pezar não vai embora.

Demora bem, ainda que isso seja bastante individual, para que a gente comece a olhar as coisas com outros olhos.

No meu caso, esse outro olhar se manifestou assim que eu mergulhei nesse mundo muito particular que é o de quem tem filhos com problema. E mais ainda quando esse universo se torna ainda mais restrito, se formos falar de quem tem filhos com problemas decorrentes do momento do parto.

O primeiro choque veio ao me dar conta de que esse universo é bem maior do que a gente imagina, quando não fazemos parte dele. Graças a uma bem-vinda Santa Ignorância, ninguém que não passou por isso tem muita informação da quantidade de coisas que podem dar errado ou sair de controle na sala de parto.

A coisa foi se afirmando quando descobri que dentro do raio do quarteirão onde eu morava, havia mais três histórias similares e contemporâneas a minha.

E, por fim, se consolidou depois que entrei no esquema da rotina própria de quem tem um pacote especial e passei a frequentar consultórios e terapias diversas. Aí... Aí, pronto. Crianças com dificuldades na minha vida não são mais exceção e sim quase a regra.

E foi justamente, após escutar e ver tanta coisa, que entendi quão errada eu estava naquele primeiro momento em que me senti uma azarada.

Antonio Pedro, você não imagina a sorte que nós tivemos.

Filho, você passou muito perto do pior. Acredita na mamãe. Só o fato de você estar vivo hoje, já poderia ser considerado um milagre. Ou mero acaso, para os mais céticos. (Essa é pra você, dindo!)

Digo muito que, pra mim, foi como se você tivesse caído do lado certo do muro. Ou, se você fosse uma torrada, caiu com a parte da manteiga virada para cima.

Pacote, você nasceu sem respirar. Totalmente mole, inerte, sem nenhuma sombra de vida. A primeira a perceber fui eu. No momento em que te colocaram em cima da minha barriga, saído diretamente de mim, eu te olhei e alertei: ele está estranho. Diferente da maioria das pessoas que estavam naquela fatídica sala de parto, eu nunca tinha visto um recém-nascido nos primeiros segundos de vida aqui fora, mas não precisei de mais do que um olhar para saber que algo estava muito errado. E gritei para ser ouvida até que um pediatra sagaz resolveu abrir caminho para te arrancar daquele sufoco. Foram 50 minutos de ventilação mecânica até que optassem pela UTI móvel, onde você foi entubado.

Já pensou, filho? Você já nasceu sem respirar, ou seja, ninguém sabe exatamente desde quando você estava sufocado. E, depois, foram mais 50 minutos de tentativas em vão para que você conseguisse achar o ar sozinho. E nada.

Sua vida começou mesmo quando te entubaram. Foi aí que o guerreiro que havia em você despertou e decidiu começar a lutar. A história depois já conhecemos: você mesmo arrancou o tubo e passou a respirar sozinho dali em diante.

Antonio Pedro, por muito menos, muitos nenéns entregaram os pontos ou ficaram bem mais comprometidos. E é isso o que a mamãe quer dizer, quando fala que tivemos sorte. Nosso caso, apesar de todos os pezares, todas as sequelas, todas as dificuldades... é um baita exemplo de sorte.

Não só no que se refere as suas limitações que acabaram se concentrando no sistema motor, mais 'fácil' ou com mais chances de ser recuperado; mas também em relação a nossa luta contra a epilepsia. Seu quadro poderia ser infinitamente mais grave. Nossa sensação, minha e do papai, é que sempre caímos do tal lado certo do muro. Sempre escapamos por pouco de um cenário bem pior.

E é por isso, meu filho, que hoje passo longe de sentir pena de nós. Somos uns privilegiados dentro de um universo com tantas possibilidades de desgraça.

E como eu, existem outras. Algumas com mais, outras com menos sorte. Mas a mensagem que eu gostaria de deixar aqui, sem ser piegas, é só essa: olhe bem e tente enxergar a sua sorte.

3 comentários:

  1. O hoje foi feito ontem, e faz o amanhã.

    A visão de hojes piores ajuda a viver melhores.

    Bs.

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  2. Querida, não tenha dúvida disso, vocês são privilegiados dentro desse "mundo novo" sim. De acordo com o seu relato do nascimento do AP, é uma vitória, diria mais, quase um milagre, ele ter ficado tão bem. Para vocês, há a esperança, há motivos e espaço para lutar, olhar pra frente, fazer planos... Vocês têm muita coisa para conquistar juntos. Eu tenho certeza que a luta de vocês não será inglória. Seu filhote ainda vai te dar muitos abraços por trás...
    Tenho te seguido sempre ! Seus textos são maravilhosos.
    Um beijo grande,
    Valéria (A Mãe do Felipe)

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  3. Adriana, um texto lindo pra variar! Muito bom! Eu tenho certeza do que vc falou e fico muito feliz de vc enxergar desta forma. Vc está certíssima. Eu trabalho com pacotinhos...fiquei 3 anos no Hospital Jesus que é referencia do estado para " mamulengos", como vc diz e é nítido que a coisa aí por fora é bem pior. Também levei um susto quando entrei neste mundo como médica pois eu não sabia que era tão comum. Acho que a família acaba escondendo um pouco isso da sociedade e nossa estatística pessoal-social fica prejudicada. Parabéns pela sua lucidez, é isso mesmo, vcs são pessoas de sorte! Principalmente AP que tem pais tão sensatos!
    Um beijo!

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