Atenção!

"(...) apesar de ter mergulhado de cabeça nesse misterioso mundo das lesões neurológicas e suas possíveis consequências, não sou médica. Tudo o que coloco aqui são impressões e experiências pessoais. (...) Enfim, não sou uma profissional da saúde, apenas uma mãe muito, muito, muito esforçada em início de carreira".



quarta-feira, 30 de junho de 2010

UTI Neonatal


Sabe o que significa UTI, filho? Tomara que ainda não. Tomara que quando você for ler esse projeto que eu tô tentando fazer aqui pra você, você ainda seja novo pra ter tido algum contato com alguém gravemente doente. Mas, então, deixa a mamãe te explicar: UTI significa Unidade de Terapia Intensiva.

E esse 'intensiva' no nome, pra mim, é o que mais caracteriza a rotina de quem vive o dia a dia de uma UTI. Seja médico, paciente ou familiares. Acrescente 'neonatal' a essa sigla e pode carregar ainda mais no intensiva. Pensa numa pessoa que você gosta muito dodói, numa cama, sem que você possa fazer muito por ela, a não ser ficar ali olhando. Agora imagina que essa pessoa é um bebezinho, com horas de nascido. Esse foi o primeiro contato da mamãe com você. Depois de um tempão quentinho na minha barriga, você saiu pro mundo direto pra UTI.

Lembro muito bem da primeira vez que eu te vi. E de como eu me senti mal por estar ótima, de pé, sem sentir dor nenhuma, após um parto normal, que pra mim foi moleza. Enquanto você estava ali, começando a lutar pela vida, tentando fazer sozinho o básico pra quem vive aqui fora, respirar. Por que você não conseguiu respirar sozinho assim que nasceu, ninguém sabe. Mas o quanto você foi valente pra sair do tubo em que te enfiaram, todo mundo viu. No mesmo dia, você mesmo arrancou aquele troço fora e colocou o pulmão pra funcionar meio na marra. Você não imagina como eu fiquei orgulhosa.

E tem mais, você já nasceu lindo. Não tinha uma médica que não babasse por você. As enfermeiras brigavam pra cuidar do ruivinho. E as outras mães todas não conseguiam se conter e sempre me davam parabéns por você ser tão perfeito. Naquela época, todo mundo jurava que além de tudo, seu olho ainda seria azul!

Hoje seu olho é castanho mesmo, apesar da sua avó achar que é igual ao meu, meio verde. Cá pra nós, pacotinho, nem eu nem você temos olhos verdes, mas nossa boca e nosso nariz são iguaizinhos. Seu pai acha que você é parecido com ele. E até era no início. Mas, ultimamente, o povo tem achado você a minha cara. Com o colorido dele, já que essa pele branca aí e esse cabelo de cenoura, eu realmente não tenho.

Pra fechar nosso papo aqui da vez, vou te contar o que teve de bom do seu intensivão na UTI. Sim, sempre tem alguma coisa boa, por mais que o cenário pareça péssimo. Aprendi isso com o tempo.

Mas, então, eu não era assim o que prometia ser uma mãe habilidosa. Pra falar a verdade, eu tinha uma ideia vaga de como cuidar de um bebê na prática. Tive bebês na família antes de você, sua madrinha, minha irmã, é sete anos mais nova, mas mesmo assim, confesso que não me preparei pra levar uma criança pra casa e não sei como eu faria exatamente. Claro que eu ia acabar dando um jeito e me virando. Mas tenho cá pra mim que ser cuidado por tanta enfermeira profissional durante seus primeiros dias teve seu lado positivo. É que, querendo ou não, acabei aprendendo a cuidar de bebê como ninguém! Como todo mundo babava seu ovo, babavam o meu de tabela e me deixavam ver, participar, fazer, muito mais coisa do que seria permitido. Geralmente uma UTI é um lugar super resguardado e com visita controlada. Mas eu me enfiei lá e não saía do seu pé. E assim aprendi a cuidar do umbigo, a dar um banho lá cheio de técnicas infalíveis pra você não chorar, a como ver se você estava com frio ou calor, como saber o que era cólica, fome ou manha, o que te dar para cada uma das alternativas, como te carregar, massagem pra cólica, como te limpar, etc, etc, etc.

Em casa, fiz tudo tão direitinho que eu poderia trocar de profissão. Dois de dezembro de 2009. Foi o dia que você veio pra casa. Inesquecível. Assim como tudo o que você tem representado na minha vida. Depois te conto mais coisas.

um beijo da mamãe.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O Início, o Fim e O Meio

Filho,
tô atrasada. E olha que com o tempo você vai ver que essa nem é uma das minhas características. Pelo contrário. Pergunta ao seu pai. Irrito de tão 'não atrasada' que eu sou. Isso porque tenho uma mania chatinha de querer que todo mundo se comporte como eu. Atenção, só nesse aspecto do 'não atrasada'. Nos outros, tenho orgulho de ser diferente. A vida toda foi assim. Nunca me senti encaixadinha em lugar nenhum. Ia trocar o 'encaixadinha', mas você é muito pequeno pra ter pensamentos maldosos...

Bom, mas meu atraso é por conta da demora em enfim escrever pra você. Escrever. É isso o que eu faço de melhor na vida. Pelo menos, o que tento. É o que tem me sustentado. Mentira. Se não fosse seu pai, eu não chegaria a morrer de fome, mas ainda tava morando com a vovó e com o vovô. O fato é que sua mãe adora essas letrinhas e esse barulhinho gostoso que estou escutando agora dos dedos no teclado do computador.

Desde que você nasceu, já pensei em escrever pra você um montão de vezes. A começar pelos dias em que você me deu o maior susto da minha vida e decidiu ficar mais tempo no hospital. Enquanto eu estava lá, até que deu pra segurar as pontas. Mas a partir do 1º dia em casa sem você, passei as piores 20 noites da minha existência. As noites. Essas eram as piores. Porque os dias eu passava do seu ladinho. Primeiro só tocando nos seus dedinhos por um buraquinho da caixona de acrílico; depois passando a mão no seu cabelo ruivo! ainda na caixona; até que eu passei a poder te pegar no colo de vez em quando, depois voltava pra caixona. Aí, você foi pra um bercinho e eu te dava até de mamar! até que você saiu de lá nos meus braços!

Mas então, nesses dias em que eu passava lá de vigília, muitas vezes levei um caderninho na bolsa pra escrever o que eu estava sentindo, pra deixar registrado pra você depois como eu estava aprendendo na marra a ser mãe com toda a força dessa palavra de três letras.

Mas lá eu ainda estava aprendendo a ser essa fortaleza que hoje respira por você, meu pacotinho. Lá eu não encontrei força pra deixar sair o que estava me afligindo tanto por dentro. É que quando a gente deixa sair, meu amor, a gente dá uma cambaleada. E lá, eu não podia tropeçar.

Esse foi seu início. Um começo digno de quem é filho de alguém diferente. Com o tempo você vai aprender que ser diferente é bom e ruim. Mas juro que tem recompensas. Seu cabelo ruivo, sua gargalhada, seus milhares de sons precoces pros seus poucos meses são algumas das minhas. Esse tem sido o nosso meio.

É onde nós estamos. No início do seu meio. Um período em que eu, logo eu, tenho tido que exercer outra característica que não é nada inerente a mim, a paciência. Eu e você estamos vivendo dia a dia, um movimento, literalmente, de cada vez. Mas você é danado e não é que mesmo sem segurar o tronco, já tá dando passinhos no ar!? é, filhote, você se zangou aí com esse tronco mamulengo e resolveu dar um sprint nas pernas que é o que você tem de melhor. E pra quem insiste em dizer que você precisa engatinhar, repito que, pra mim, você vai dar um jeito é de andar. Espera só pra ver. Eu te conto.

Tenho muita coisa pra te dizer ainda. Pra te contar sobre essa nossa história que começou há quase oito meses. Mas vamos começar devagar. Prometo que sempre que der eu passo aqui pra deixar alguma coisa pra você. Tô achando que você um dia vai adorar ler. Será? Eu acho que sim. Quem é que não gosta de saber sobre a sua história? Sobre quem somos, de onde viemos. Você é meu filho querido. A coisa mais importante da minha vida. Meu cenourinha, meu carrapatinho, meu pacotinho... um dia escrevo aqui só sobre seus apelidos. Já quiseram te chamar de tanta coisa, filhote. Mas pros outros você é mesmo o Antonio Pedro, na maioria das vezes. Desde muito cedo, quando escolhemos seu nome, ouvíamos sempre que era um nome forte. E é mesmo. Que nem você. Meu pequeno guerreiro. Vida longa ao nosso meio, meu amor. O fim está longe.

um beijo do tamanho do meu amor por você,
sua mãe.