Atenção!

"(...) apesar de ter mergulhado de cabeça nesse misterioso mundo das lesões neurológicas e suas possíveis consequências, não sou médica. Tudo o que coloco aqui são impressões e experiências pessoais. (...) Enfim, não sou uma profissional da saúde, apenas uma mãe muito, muito, muito esforçada em início de carreira".



sexta-feira, 15 de julho de 2011

Carta para Elisa

Querida Elisa,

há coisas na vida que a gente não explica. Coisas boas e coisas ruins. O que aconteceu com o Antonio no momento em que ele nasceu, por exemplo, foi a pior dor de que consigo lembrar. E continua sem explicação. Seria mentira dizer que eu não penso mais nisso e que ainda não volte ao assunto de vez em quando com algum médico ou só na minha cabeça mesmo. Apesar de não ter levado essa dúvida eterna às últimas consequências e considerar que vivo bem com ela, ainda é uma questão sim, claro. Mas uma coisa muito importante é que não busco mais por culpados. Aliás, nunca caí muito nessa armadilha. Desde o início, preferi - neste caso - o benefício da dúvida. E o tempo passou. Passou e outras coisas inexplicáveis, na maioria, boas! voltaram a acontecer em nossas vidas, no que diz respeito ao Antoninho. É assim que o estamos chamando ultimamente. Não sei bem porquê. Acho que é porque ele é pequenininho, frágil e todo dengoso. Falando em nomes, sabia que se o Antonio tivesse nascido menina, o nome dele seria Alice!? Como a sua. Achei essa uma coincidência engraçada.

Mas não a maior coincidência. E é aí, na verdade, onde eu queria chegar. Seu comentário foi recebido e lido por mim no melhor dos momentos. Veja bem, o momento foi tão propício que por causa do seu comentário eu bati o martelo na minha cabeça quanto a uma decisão que estávamos tendo que pensar a respeito, faz cerca de uma semana. Entendeu? Seu comentário está sendo encarado por mim como mais uma das coisas inexplicáveis e incríveis que aconteceram aqui pra nós. Obrigada.

Agora que eu já te agradeci, deixa eu explicar: Antonio não come. Bom, tudo bem, vá lá: Antonio não come bem. Já que é para ser clara, fico então com: Antonio come bem mal. Ele nunca conseguiu criar uma relação saudável e positiva com a comida. A hora de comer foi sempre pra gente uma simples questão de obrigação e horário. Juro. Minha impressão é que, por ele, o mundo seria muito melhor se ele pudesse viver só de vento.

Tem a questão da dificuldade motora que atrapalha a coordenação dos movimentos e a deglutição? Tem. Mas isso já foi bem pior e nem assim a coisa melhorou. Pelo contrário, quanto mais ele foi crescendo e entendendo as coisas, mas ele passou a se manifestar contra esse momento torturante que é a hora da comida. A coisa chegou num nível em que hoje, assim que eu o coloco na posição de comer, ele já começa a chorar. E, dependendo do estado de cansaço ou irritação, esse choro fica contínuo e se transforma em berros e gritos homéricos. Naquele estilo em que os vizinhos devem se preocupar e um dia vão me parar no corredor pra perguntar se eu confio na minha babá...

No início, a tortura era só para ele. Com o tempo, a coisa passou a me atingir também. De uns dois meses pra cá, tenho tido enxaquecas, tremedeiras e a minha respiração fica ofegante quando chega perto da hora de papá. A pressão em cima de nós dois aumentou ainda mais depois da nossa última visita ao pediatra, quando ele atestou que, mais uma vez, Antoninho não ganhou peso. Na verdade, a situação está muito preocupante. Ele está com peso de uma criança de 1 ano e já tem 1 ano e 8 meses. Há 5 meses, ele pesava mais do que pesa hoje... O problema é que essa falta de nutrição adequada pode - e deve - estar atrapalhando o desenvolvimento global do meu filhote. Além do tônus muscular. Fora o fato dele ficar muito mais sucetível a infecções e resfriados...

E foi aí que a palavra - gastrostomia - voltou a rondar as nossas vidas. Assim que o Dr. Jofre tocou de novo no assunto e disse que para ele era caso de fazer imediatamente, a gente gelou. Nem pensava mais nisso. Tinha esquecido que existia ou, pelo menos, não considerava para o Antonio. Pra mim, por mais que ele comesse mal, ele comia. Gastro era para as crianças que não tinham a menor condição de se alimentar. Bem, eu estava errada. A gastro não é um auxilio apenas para os que não podem, mas também para os que não comem porque não querem. E, apesar disso ser bem difícil de lidar - meu filho tem condições de comer e eu não consigo fazê-lo se alimentar direito! - a gente precisou ir se acostumando com a ideia.

Meus últimos dias foram só pensanso nisso e conversando sobre isso. Falamos com todos os terapeutas, médicos e discutimos bastante entre nós aqui, eu e meu marido. E a cada vez que tentamos dar comida para ele nesses dias, mais a gente foi se dando conta do quanto esse sofrimento pode e não deve ser necessário. Porque é assim que a coisa é: um sofrimento. Profundo.

Bem, depois de ouvir o que todos pensavam a respeito - e a maioria é a favor - a gente já estava mesmo se inclinando para o 'sim'. Mas ainda havia uma resistência aqui me enchendo a paciência.

Foi aí que hoje três coisas aconteceram: a primeira é que a T.O. dele, que é a terapeuta em quem eu mais confio e que mais nos ajudou até agora - mudou de opinião. Na semana passada, ela tinha dito que achava que não, que a gente deveria tentar ainda fazer a coisa funcionar na marra. Hoje, ela veio humildemente me dizer que ao ver um paciente antigo que passava por um problema parecido e que acabou fazendo o procedimento, ela imediatamente pensou no Antonio e mudou de ideia. Isso porque o menino, segundo ela, ganhou muito em tônus muscular e 'estado de alerta'. Depois disso, segui para o consultório da neuro do Antonio que é no mesmo local e por muita, muita, sorte ela estava lá na sala dela de porta aberta, sem ninguém. Isso é raríssimo de acontecer. Eu quase nunca consigo falar com ela 'ao vivo', fora da consulta do Antoninho. Pois bem, conversamos e pedi a opinião dela, essencial para a nossa decisão final. Foi um tremendo de um 'sim' no ato. Ela falou tudo o que eu 'precisava' ouvir. Da questão do sofrimento que é negativo; do estresse emocional meu e dele; do trauma que isso pode criar com o 'comer'; do quanto ele pode mesmo estar perdendo em desenvolvimento... Enfim, o time do 'sim' cresceu e tem as cabeças mais sensatas e seguras. Mas ah!, então, a terceira coisa foi ler o seu comentário. Só de ler a palavra ali, logo no início, foi como, sei lá, um sinal, um aval, um aviso de que era mesmo por aí que tínhamos que ir, sabe?

Tivemos muita sorte mesmo, sei que em muitos aspectos o caso do Antonio pode ser considerado bem-sucedido. Não esqueço disso nem um dia sequer. Mas foi muito importante saber de você, um pouco da sua história, da Alice... E, olha, como eu falei no início, já aconteceu tanta coisa inexplicável com a gente que hoje eu posso te dizer de coração: tudo pode acontecer. Alice tem muitas e muitas chances. E mesmo se ela só tivesse uma, já tava valendo. Já basta para acreditar que o inexplicável do bem pode bater à porta. Sei que é muito difícil no dia a dia, que o tempo todo somos postas à prova, que ver as outras crianças saudáveis e serelepes por aí volta e meia nos abate, que muitas vezes o cansaço faz com que a gente pense que não vai aguentar... Mas sempre acontece alguma coisa. Algo que nos faz renovar as esperanças, ter fé de novo, acreditar no melhor. Pode ser apenas uma noite bem dormida ou um milagre de fato. Mas o bem sempre dá um jeito de aparecer. Seja por meio de outras pessoas, numa conversa, num carinho, num e-mail, num comentário.

Beijo pra você e pra Alice, meu e do Antonio.

Um comentário:

  1. Filho hj vim dar um oi pra Elisa e a Alice. Só queria dizer q nenhuma criança vem pra esse mundo para causar sofrimento, dor ou tristeza. Muito pelo contrário, vem para nos tornar pessoas melhores não só os pais mas todos os estão envolvidos com ela. Aprendemos a dar valor ao q realmente importa nessa mossa passagem por aqui q é o sentimento de humanidade e de preocupação com o bem estar de quem está a nossa volta. Aprendemos sobre o amor incondicional e como ele é maior q tudo. Nossas preocupações e alegrias são diferentes, assim como as de todos os pais, enquanto alguns estão preocupados se o filho vai se sair bem na escola ou será bom atleta ficamos imaginando qdo ele conseguirá se virar sozinho e como. Não digo "se" pois depende de nós acreditarmos no potencial deles isso determinará até onde chegarão. Se nós não acreditarmos, incentivarmos ou o q quer q seja necessário fazer quem fará? Não desanime nunca, a caminhada é longa e estamos só no começo de nosso aprendizado mútuo. Mantenha sempre o pensamento elevado e positivo. Felizes de nós por termos o previlégio de termos crianças tão lindas em nossas vidas. Um grande abç, do Papai

    ResponderExcluir

Seu comentário é muito importante para nós!