Atenção!

"(...) apesar de ter mergulhado de cabeça nesse misterioso mundo das lesões neurológicas e suas possíveis consequências, não sou médica. Tudo o que coloco aqui são impressões e experiências pessoais. (...) Enfim, não sou uma profissional da saúde, apenas uma mãe muito, muito, muito esforçada em início de carreira".



domingo, 8 de agosto de 2010

Carta à obstetra

Filho, todo mundo sempre pergunta à mamãe se eu não tenho vontade de confrontar a obstetra que fez seu parto. Atrás de respostas, pra falar o que eu penso, enfim... Tem muita gente, inclusive, que acha que deveríamos processar por erro médico. Mas como eu já disse aqui, nunca tive vontade de fazer isso. Primeiro, porque eu não tenho certeza se realmente a culpa foi dela e segundo porque acho que seria um sofrimento a mais pra nós todos e que muito provavelmente não daria em nada.

Bom, mas a verdade é que algumas questões continuavam entaladas aqui na garganta da mamãe. Sei lá, eu queria pelo menos que ela soubesse das consequências. Queria que ela soubesse do que temos passado. Não só para que ela se sinta mal, mas para que talvez seja mais alerta com futuros partos de outras mamães.

Mas a ideia de voltar a vê-la não me agradava. Não queria remexer em tantas lembranças angustiantes e também não achava coragem para encará-la. E acho que ia acabar não conseguindo falar direito tudo o que eu queria. Por isso, decidi neste fim de semana enviar um e-mail pra ela. E espero assim colocar um ponto final nessa questão do que afinal aconteceu no seu parto. Nunca vamos saber ao certo, filhote. Mas são águas passadas. Nosso caminho agora é em frente e avante.

beijo da mamãe.

Oi Dra. XXXXXXX,
é Adriana Villarinho, mãe do Antonio Pedro.

bom, estou escrevendo para te dar algum tipo de satisfação pelo meu 'sumiço'. Nunca mais voltei ao consultório e não vou voltar. Na verdade, é isso o que eu queria dizer.

Pensei bastante antes de tomar essa decisão e acabei chegando à conclusão de que vai ser melhor assim pra mim e acho que até pra você.

Eu poderia conversar pessoalmente, mas me expresso melhor escrevendo e confesso que não criei coragem. Parece um pouco coisa de criança, mas não consegui me sentir confortável pra te dizer olhando no olho. Talvez, eu esteja sendo injusta. Mas o fato é que não consigo pensar em você, sem lembrar do pior dia da minha vida. Ou melhor, sem remoer coisas que eu não queria mais remoer, mas que como ainda fazem parte da minha vida e transformaram totalmente a minha rotina, é inevitável não me pegar voltando atrás tentando entender o que houve de errado.

Bom, o fato é que a lesão do Antonio Pedro devido à asfixia acabou se mostrando grave e, apesar, de estarmos fazendo tudo o que está ao nosso alcance para que ele se recupere totalmente, ainda é cedo para dizer se ele vai ou não ficar com alguma sequela e isso é a minha angusia eterna. Uma dor, uma preocupação que não passa, dia após dia.

Depois dos 24 dias internado na UTI, achamos que o pior já tinha passado. E tinha mesmo. Mas é que, mesmo sabendo das possibilidades, demos uma descansada porque até os três meses, ele estava realmente ótimo. Super esperto, saudável. Estávamos quase esquecendo daquele período fatídico da UTI.

Mas aí, a partir dos 4 meses, nós e todos que vinham o acompanhando - o Jofre que ficou sendo o pediatra; a Laís que passou a ser a neuropediatra dele e a Bárbara a fisioterapeurta que o via uma vez por mês para acompanhamento - começamos a desconfiar de atraso motor. Ele ainda estava muito molinho, sem direcionar os bracinhos para pegar coisas e tal. Foi decidido que ele faria uma ressonância e o resultado confirmou as suspeitas, mostrando que a lesão era mesmo na parte motora e grave. Graças a Deus, a parte cognitiva está preservada, o que melhora muito o prognóstico dele.

Desde então, nossa vida mudou completamente. E minha rotina virou de cabeça pra baixo. Entramos com fisioterapia duas vezes por semana, com uma terapeuta ocupacional mais uma vez, teve que entrar fono também porque ele estava com muita dificuldade de deglutição devido à questão motora e por último, começamos a equoterapia. E, todo o tempo que ficamos em casa com ele, fazemos exercícios e o máximo de estímulos possíveis. Ele tem melhorado muito. De 4 meses pra cá, a evolução é sensacional. Mas ainda está atrasado. Não senta sozinho, não se arrasta, não engatinha, o tronco ainda está sem sustentação e o equilíbio oscila bastante. Mas acreditamos muito na recuperação. Nós e todos os que estão envolvidos aqui na nossa luta diária.

Só que para isso, eu larguei tudo para me dedicar exclusivamente a ele. Parei de trabalhar porque ainda bem o Cesar está ralando noite e dia para dar conta dos custos que já tínhamos e mais os altos custos de todas essas coisas que estamos fazendo. Dou graças a Deus todos os dias por termos condições, ainda que apertados, de poder dar o melhor pra ele.

Mas nosso emocional está bastante desgastado. É muito difícil. Muito cansativo. Mas, enfim, estamos juntos e fortes nessa que se tornou nossa missão.

Mas são nesses momentos mais difíceis que me pego pensando um pouco amargurada no porquê de tudo isso estar acontecendo. E, por mais que eu já tenha aceitado que talvez isso tivesse que acontecer, que servirá pra nos ensinar muita coisa, não consigo deixar de lembrar do dia do parto e de como tive alguns momentos de total insegurança. Fiquei muito assustada quando você não conseguiu achar o pediatra na 1ª vez que ligou. Fiquei nervosa por achar que você estava nervosa. Não entendi porque não deu tempo de ir para a sala de parto. Não sai da minha cabeça uma espécie de pressão, ou vácuo, sei lá que eu já estava sentindo lá embaixo e deu ter avisado e não ter começado logo a fazer força, não me sai da cabeça também a pessoa da Perinatal que estava na sala dizendo que não poderia começar o parto sem pediatra e que então ela iria chamar o pediatra da casa... quando ele saiu e foi colocado no meu colo, eu logo falei que ele estava estranho, perguntei se ele não tinha que chorar e me disseram pra ter calma, porque ele ainda estava molinho...

enfim, Dra., ninguém conseguiu me explicar o que aconteceu. Acontece. Acidentes acontecem. Ok, mas até hoje a cada médico ou terapeuta ou consulta nova que eu vou, ninguém entende como que com a minha gravidez sem nenhum problema, ele sem nenhum problema, o que houve de errado. Explico essa história e respondo perguntas até hoje, sem ninguém saber o que houve. Isso me angustia muito porque fatalmente me leva de volta aquele dia e não consigo deixar de achar que talvez o parto tivesse que ter começado antes, que aquela indecisão se espera ou não o pediatra foi crucial. É meu coração que pensa assim. Não consigo deixar isso se apagar.

E aí Dra., pra tentar não remoer mais e mais essas imagens na minha cabeça, decidi que quero tentar não ter mais contato com nada que me faça voltar a pensar assim. E acho de verdade que eu não conseguiria ter outro parto olhando para a mesma equipe. Acho que isso me deixaria muito abalada, insegura, com medo e acabaria atrapalhando tudo. E achei que talvez também não fosse bom pra você. Conversei muito com o Cesar e tomamos essa decisão. Não queremos de jeito nenhum contestar ou levar essa história a fundo pra tentar saber o que aconteceu. Mas também não queremos fingir que não temos dúvidas. Decidimos que vamos apenas olhar pra frente e investir no nosso filho, mais amado do que tudo no mundo.

Nos deseje sorte. E perdão se você não puder entender minha decisão.

tudo de bom,
Adriana

12 comentários:

  1. Impressionante a intensidade de coração e moral que vão nos escritos de uma mãe em sua sagrada missão. Lendo essa carta a médica e a equipe terão a lição dura de que precisam para reajustarem-se à responsabilidade. A irresponsabilidade em correção serviu de ferramenta para as circunstâncias que vão fazer a família sair mais evoluida e mais forte delas. Isso estava claro no amor e disposição que pudemos ver no lançamento do livro. Bs, tio Dedé.

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  2. Muito difícil comentar esta questão Adriana.Principalmente pra mim que sou mãe e médica.Se algum dia vc quiser conversar comigo estou totalmente a sua disposição. Acho, como já falei, que vc adotou a melhor postura em relação a isso tudo, mas acho também que vc só vai zerar esta questão na sua cabeça depois que vc esgotar o assunto.
    Se precisar de alguma coisa, estou por aqui.
    Um beijo!

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  3. Concordo com o seu tio e concordo plenamente com o que vc escreveu, com certeza eu faria o mesmo. Não gosto de deixar o dito pelo não dito. É muito difícil o que vcs estão passando e o que ela vai sentir ao ler essa carta também. Mas cada ação tem uma reação, faz parte da vida. Beijão

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  4. Dri, cada vez mais, minha enorme admiração por vc, além de todo o meu carinho e amizade! Um beijo da Paulette.

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  5. Nana, doi muito, a vontade é sair esculhambando esta máfia de branco, mas estou contigo, vamos unir nossas forças, pra daqui pra frente.
    O Pedrinho vai sair dessa, pois ele tem uma coisa muito forte a seu lado, que é o amor que voce e Cesar passam para ele, todos os dias.

    Beijos

    Vovô Pedro

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  6. Naninha,
    Certas coisas são difíceis de entender e de engolir, mas com carinho, amor e perseverança, o ap sai dessa, tenho certeza.
    Sobre a carta, você fez muito bem em tirar esse "peso" das costas, daqui para frente o que importa é o amanhã!
    Tenho fé que tudo dará certo, você e esse cunhado maravilhoso que Deus me deu, foram as melhores pessoas que o ap poderia encontrar nessa longa jornada cheia de vitórias, que ele está vivendo!

    AP tu é forte garoto! Vai sair dessa sem nenhum arranhão, tenho certeza! Eu tive uma palhinha dos seus esforços, vamos conseguir!!!

    Beijos da dinda

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  7. Ah ! Parabéns, hoje você faz 9 meses!!!!

    beijos da dinda

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  8. Minha filha querida! É com o coração apertado que tento expressar o que estava sentindo.É uma espécie de mágoa mal resolvida que me acompanhava desde o dia em que essa criança linda nasceu.Mas, depois dessa carta me sinto de certa forma aliviada e assim como vc resolvi tentar afastar da minha cabeça os momentos que se sucederam desde a alegria do "vai nascer!", passando pelo seu pai(após ter falado com o Cesar),não saber direito o que estava acontencendo(momento que durou uma eternidade), até ouvir a sua voz no celular dizendo: "Mãe pode subir pro meu quarto", ver o seu olhar aflito e a médica com cara de apavorada sem convencer ninguém dizendo: fica tranquila; vai dar tudo certo;o que aconteceu não tem explicação;o seu parto foi super normal... Bom filha,desculpe me estender(não tenho o seu dom de ser sucinta)mas foi bom desabafar e fortalecer a disposição de acompanhar e ajudar bem de pertinho o dia a dia da recuperação desse bebê especial que ainda na UTI me transmitiu uma expressão intensa e um olhar inteligente como quem diz: "me aguardem!" Por isso não tenho a menor dúvida de que êle será sempre um vencedor! Bjs

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  9. Dri,
    Parabéns pela decisão de escrever a carta a obstetra. Sou sua fã de carteirinha!!
    Beijo,
    Thalita

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  10. Antonio Pedro, tua mãe pegou leve mas tudo bem, o nó da garganta saiu.
    Naõ acho q vá alterar significantemente a vida dela mas pelo menos q isso sirva de alerta pra q ela não deixe acontecer novamente com outras famílias.
    Bjo
    Papai

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  11. Querida Adriana. Achei seu blog por meio do blog da Malu (da Flavis). Também sou mãe e passei por uma experiência sinistra quando meu filho nasceu. A então pediatra "inventou" 3 cirurgias pra um ser que não precisava de nada. Felizmente, buscamos outras opiniões... mas, até hoje não me conformo por ter passado os primeiros 20 dias após o nascimento do meu filho percorrendo consultórios, UTI e ouvindo asneiras de "profissionais" de saúde.
    Vc tem muita força e tem o mais importante, vc é grande, tem um coração enorme e sabe priorizar o que vale a pena. Desejo do fundo do coração que a sua luta não seja em vão e que seu lindo filho evolua cada dia mais e torne-se um grande homem. Fiquem bem! Um abraço muito apertado. Que Deus os ilumine sempre.
    Beatriz Azevedo

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  12. Adriana,
    Cheguei até seu blog através de pesquisa na internet. Não nos conhecemos, mas não tive como não me sensibilizar e não me emocionar com o seu caso. Tenho uma filha de 1 ano e 8 meses e sei o quanto é gratificante acompanhar cada evolução dela, assim como vc. O seu filho é LINDO, tem um olhar doce e meigo! Desejo a vc que continue tendo muita luz e muita fé que vai dar tudo certo, aliás, já está dando. O resultado está aí, a evolução diária dele. Muita saúde e parabéns pela força, fé e perseverança! Um abraço, Renata

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